Vasectomia – esse é um tema que gera muitas dúvidas. Neste texto explicativo, juntamos dúvidas frequentes de nossos pacientes do dia a dia do consultório, e acrescentamos dúvidas recebidas por meio das nossas redes sociais. Assim, conseguimos fazer algo bem compreensivo e prático, de leitura fácil, direcionado ao público não médico sobre esse procedimento.
O que é e para que serve a vasectomia?
Para explicar isso, vamos a uma breve descrição da anatomia. O homem com anatomia genital normal possui dois testículos, que são órgãos ovais que nascem dentro do abdômen e ao longo do desenvolvimento intrauterino migram para a bolsa escrotal, carregando consigo seus vasos, nervos, e estruturas vizinhas. O testículo tem basicamente duas funções, a de produzir a testosterona, hormônio masculino, e a de produzir espermatozoides, as células germinativas de reprodução do homem. A testosterona é drenada diretamente no sangue, enquanto os espermatozoides são levados ao epidídimo, órgão com formato em meia lua que fica localizado posteriormente a cada testículo. O epidídimo é quem amadurece os esperatozóides.
É da cauda do epidídimo que surge o famoso ducto deferente, canal fino que leva os espermatozoides do epidídimo ao canal da urina, a uretra. Antes de desembocar na uretra esse ducto se une a outro que vem da próstata e vesícula seminal. A próstata e vesícula seminal produzem o maior volume do líquido final da ejaculação, cerca de 90-95%. No momento da ejaculação durante o ato sexual, há contração do deferente, próstata e vesículas seminais, e depois da uretra, impulsionando o conteúdo seminal para a ponta externa do pênis (ver imagem).
A cirurgia de vasectomia tem como objetivo impedir a que os espermatozoides produzidos pelos testículos passem para a uretra. Para isso, por meio de uma ou duas incisões na bolsa escrotal, os ductos deferentes direito e esquerdo são expostos, seccionados, e amarrados (ligados). Dessa forma, a cirurgia faz com que a parte do líquido seminal que vinha dos testículos deixe de sair, por barreira mecânica, impedindo a fertilidade do homem. O volume do ejaculado fica apenas o proveniente da próstata e vesículas seminais. (ver imagem)
Estou na dúvida se faço a vasectomia, mas acho que vou fazer por ser reversível. Estou certo?
O que sempre digo aos meus pacientes é: se tiver um pingo de dúvida, não faça. Fazer achando que podemos voltar atrás é arriscado e não há garantias. A reversão pode ser tentada mas diversos fatores entram em cena para determinar a chance de sucesso: tempo de vasectomia, qualidade dos espermatozoides, agressões ambientais como álcool, drogas, a própria poluição, a idade da esposa influencia na chance de gravidez, e por aí vai.
Temos que a vasectomia é um ato simples pelo fato do procedimento cirúrgico em si não ser complexo. E não é mesmo. Mas o ato como ser humano é sim bem complexo. Você se submeter a um procedimento que te impede de passar seu DNA para a frente é algo de muita responsabilidade e que apenas homem faz de forma consciente. Algumas religiões inclusive proíbem. E por isso muitos urologistas nem praticam tal cirurgia.
No consultório sempre pergunto em profundidade o motivo da vasectomia. Muitas vezes chegamos à conclusão que se trata de algo diferente do habitual, fatores que levaram àquela decisão que nem sempre são reais ou imutáveis. O urologista deve saber conversar com seu paciente e se colocar em seus sapatos, e se perguntar: minha decisão é realmente definitiva e tenho embasamento para isso? Assim, médico e potencial candidato a vasectomia se conhecem melhor e entendem se aquele é o momento ou não da cirurgia. Vou dizer que muitos já mudaram de opinião nessa conversa e fico feliz por ter ajudado nessa profunda reflexão.
Devo congelar espermatozoides antes da cirurgia?
Aqui temos uma pergunta capciosa. A congelação de espermatozoides está indicada em diversas situações, como antes de cirurgias ou procedimentos (quimioterapia, radioterapia) que possam negativamente impactar a produção ou maturação dos espermatozoides. Se o homem que vai fazer vasectomia quiser congelar para garantir uma futura fertilização assistida, ela pode ser realizada. Entretanto, via de regra isso é raro. Raro pois se o homem quer fazer vasectomia ele não tem dúvida de que não mais terá desejo de procriação. Assim, voltamos à questão anterior: se há dúvida sobre eventual desejo futuro de fertilidade, o melhor a se fazer é adiar o procedimento.
A vasectomia vai me deixar com problema de ereção?
Esse é um mito muito comum. Não, a vasectomia não muda em nada a potência sexual. Então por que essa dúvida tão frequente? Simples, confunde-se a vasectomia com a cirurgia de retirada dos testículos, muito comumente realizada em animais para impedir sua procriação. A retirada dos testículos compromete não apenas os espermatozoides, mas acaba deixando o homem sem testosterona, o que tem efeitos problemáticos como queda libido, de ereção, perda de massa muscular, óssea, adinamia etc. Portanto, a vasectomia em nada afeta a ereção sexual.
Minha quantidade de ejaculação vai mudar?
Isso é bem lógico de se pensar. Se vão desligar um ducto que leva meus espermatozoides até a minha ejaculação, ela ficara com menos líquido, a ejaculação vai diminuir. Certo? Não, errado. Acontece que apenas 5% do volume da ejaculação vem dos testículos. A imensa maioria vem da próstata e vesículas semanais, e o ducto dessas estruturas continuará intacto. Apenas perde-se 5% do volume ejaculado, o que na prática clínica é imperceptível. A única diferença é que a ejaculação ficará sem espermatozoides.
Ouvi dizer que vasectomia aumenta risco de infarto e derrame, é verdade ou é mito?
Apesar dessa associação parecer claramente absurda, realmente existiam evidências científicas que suportavam essa hipótese. Entretanto, os estudos que apontavam para essa potencial associação eram de baixa qualidade científica, ou seja, estudos sem desenho ou poder de realmente caracterizar se a associação realmente existia. Cabe informar que associação é diferente de risco, de causalidade. Se associação já era difícil de se estabelecer, risco então era ainda menos provável. Novos estudos com melhor desenho comprovaram que era tudo inverídico, as antigas crenças caíram por terra. A vasectomia não aumenta risco de nenhum tipo de câncer ou doença cardiovascular, como é o mais lógico de se pensar.
Como funciona o procedimento da vasectomia em si?
A cirurgia é realizada com anestesia local + sedação a fim de permitir conforto maior ao paciente. É possível a realização do procedimento apenas com anestesia local, porém não é a prática de nossa clínica. É realizada incisão na linha média do escroto, com 0,5 a 1,5cm. Pode ser realizada com duas incisões, a depender da técnica que o cirurgião utiliza. São dados pontos internos nos deferentes com fio inabsorvível, e pontos na pele do escroto com fio absorvível, que não precisam ser retirados no pós-operatório. Em geral, a cirurgia é realizada em regime ambulatorial ou de hospital dia, e o paciente recebe alta no mesmo dia.
Quais os cuidados preciso ter antes da cirurgia?
Se for realizada com sedação, são necessárias 8 horas de jejum para o procedimento devido ao ato anestésico. A retirada de pelos (tricotomia) da bolsa escrotal ajuda no curativo, e deve ser realizada 12 a 24 horas antes da cirurgia em casa. Caso não seja feita, pode ser feita em centro-cirúrgico. Tanto para internar como para a alta, é necessário que o paciente seja acompanhado por um adulto. Nenhum outro preparo inicial é necessário.
Quais os cuidados no pós-operatório?
O curativo inicial do dia do procedimento tem a função de diminuir o sangramento da ferida, que não costuma ser importante. Mantenha-o fechado até que o mesmo se solte espontaneamente no banho ou caso ele fique sujo com sangue ou secreção serosa. Sua retirada se torna menos difícil sob água corrente (chuveiro morno). Troque diariamente o curativo até o retorno com seu médico, lave a ferida apenas com água corrente morna e o sabonete habitual do paciente. Curativo deve ser feito apenas com gaze e micropore. Importante: use suspensório escrotal ou uma cueca mais justa na primeira semana após a cirurgia, o que evita dor e maior inchaço local. Como é utilizado um fio absorvível na sutura, o próprio organismo se encarrega de absorvê-lo com o passar dos dias, sem necessidade de remoção. Os pontos caem em 2 a 4 semanas após a cirurgia.
Os sintomas mais comuns no pós-operatório são edema (inchaço que acontece na bolsa escrotal, durando até 10-15 dias), sangramento/hematoma (sinais de sangue ao redor da cicatriz às trocas de curativo; o acúmulo de sangue abaixo da área operada, hematoma, eventualmente ocorre e é reabsorvido após alguns dias), dor (o mais comum é um relato de incômodo local, para isso são utilizados medicamentos específicos). O paciente deverá usar medicamentos específicos como antibióticos (para evitar uma infecção), anti-inflamatórios (para diminuição do edema), e analgésicos (para controle de dor), de acordo com a prescrição de seu médico. Deve ser realizado repouso relativo por pelo menos 3 a 5 dias após a cirurgia, o que diminui sintomas como dor, edema e sangramento. Evitar traumas na região. Não realizar intercurso sexual por 7 dias após a cirurgia.
Fazendo a cirurgia já posso ter relações desprotegidas?
É importante ressaltar que o ducto deferente, seccionado, ainda possui espermatozoides em seu trajeto na porção em direção ao pênis. Por esse motivo, o paciente NÃO está isento de risco de gravidez logo após a cirurgia. Ele deve realizar um espermograma 60 dias (2 meses) após o procedimento. E isso deve ser verificado por seu médico.
Relembrando: após 7 dias da cirurgia, o paciente pode retomar as atividades sexuais, mas com algum tipo de método de contracepção. Dessa data até os 2 meses de pós-operatório, o indivíduo deve obter pelo menos 20 ejaculações (seja por relação sexual ou masturbação), a fim de expulsar do coto do ducto deferente os espermatozoides remanescentes. Apenas depois que o exame comprovar que não existem mais espermatozoides no ejaculado, é que o paciente é liberado para relações sexuais desprotegidas.
Lembrando por fim que a vasectomia impede gravidez, mas não a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).
Fiz a vasectomia há mais de 12 anos, consigo reverter?
Como costumamos dizer, nada em Medicina tem 0 ou 100% de chance. A cirurgia de reversão da vasectomia se chama vaso-vaso anastomose, nome técnico para descrever a junção cirúrgica dos cotos do ducto deferente. Essa cirurgia deve ser realizada em ambos os lados, direito e esquerdo, após comprovação ainda no intra-operatório de que existem espermatozoides viáveis vindos daquele testículo. A cirurgia é realizada com auxílio de um microscópio de grande aumento, e são utilizados fios microcirúrgicos finíssimos, mais delgados que um fio de cabelo, quase invisíveis ao olho nu, para que a conexão entre os cotos dos ductos deferentes fique perfeita. Dura em média de 2 a 4 horas, sob anestesia geral. (ver imagem)
Muitos fatores influenciam nas chances de sucesso: tempo de vasectomia (quanto mais tempo da cirurgia inicial, menor a chance, principalmente após 10 anos), qualidade dos espermatozoides verificados no ato da cirurgia, do resultado da biópsia do testículo coletada no momento da cirurgia, das comorbidades do doente (diabetes, doenças auto-imunes, etc, podem diminuir a chance se não bem controladas), da anatomia e idade da mulher parceira, do ambiente em que vive o casal (poluição piora a qualidade do esperma), dos hábitos (cigarro e etilismo pioram as características dos espermatozoides), etc.
Portanto, devemos ressaltar que as chances não são altíssimas, muitas vezes chegando a apenas 20-30%, mas que quase sempre a cirurgia, pouco invasiva, pode ser realizada na tentativa de uma gravidez natural. Partir direto para uma inseminação com coleta de espermatozóides do testículo só está indicado quando as chances são muito baixas e a mulher está em idade limítrofe, não podendo esperar o tempo necessário de recuperação do homem.
Todo urologista que faz vasectomia está habilitado a realizar reversão?
Infelizmente não. Enquanto a cirurgia de vasectomia consiste em procedimento simples, a reversão é um ato microcirúrgico complexo do ponto de vista técnico, e nem todo urologista tem treinamento para tal. Na eventual necessidade de uma reversão, urologistas formados em centros de alta complexidade e com experiência na área têm melhores resultados quando comparados a um urologista que faz apenas Urologia Geral.
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Meu Marido fez a vasectomia, a 2 anos repete o exame de espermograma a cada 12 meses.
É necessário fazer esse exame anualmente?
Olá. Não, o recomendado é 2 vezes após a cirurgia. Não precisa coletar novamente. A não ser que não tenha vindo com zero espermatozoides. Nesse casos se não zerar em um ano, a cirurgia deve ser refeita.
Espero ter ajudado.
Grato.